O Acordo de Não Persecução Penal
O Acordo de Não Persecução Penal (ANPP) é um instrumento jurídico que permite ao Ministério Público (MP) oferecer ao autor de um crime de menor potencial ofensivo, sem violência ou grave ameaça, a possibilidade de cumprir algumas condições em troca do arquivamento da ação penal. O ANPP foi introduzido no ordenamento jurídico brasileiro pela Lei 13.964/2019, conhecida como Pacote Anticrime, e regulamentado pela Resolução 181/2017 do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP).
O objetivo deste texto é analisar
o ANPP do ponto de vista da defesa, ou seja, dos direitos e garantias do
acusado, bem como das estratégias e desafios que se apresentam na negociação
com o MP. Para isso, utilizaremos como referência a doutrina e a jurisprudência
sobre o tema, que abordam os aspectos legais, práticos e críticos do ANPP, e
que nos permitem ter uma visão técnica e atualizada do assunto.
O ANPP pode ser visto como uma
forma de justiça consensual, que busca evitar o processo penal e a aplicação de
uma pena, mediante o cumprimento de algumas condições pelo acusado, tais como:
reparação do dano, prestação de serviço à comunidade, pagamento de prestação
pecuniária, renúncia a bens e direitos, entre outras. Essas condições devem ser
proporcionais e adequadas ao fato e à situação pessoal do acusado, e não podem
exceder o limite máximo da pena cominada ao delito.
O ANPP é uma faculdade do MP, que
pode ou não oferecê-lo ao acusado, desde que esteja presente a justa causa para
a ação penal, ou seja, a existência de indícios suficientes de autoria e
materialidade do crime. O acusado, por sua vez, tem o direito de aceitar ou
recusar o ANPP, sendo necessária a sua manifestação expressa e voluntária, bem
como a assistência de um advogado ou defensor público. O ANPP deve ser
formalizado por escrito e homologado pelo juiz, que pode recusá-lo se entender
que não atende aos requisitos legais ou que é manifestamente desproporcional ou
inadequado.
O ANPP apresenta algumas
vantagens e desvantagens para o acusado, que devem ser sopesadas na hora de
decidir pela sua aceitação ou recusa. Entre as vantagens, podemos citar: a
celeridade na resolução do conflito, a extinção da punibilidade, a ausência de
antecedentes criminais, a preservação da imagem e da reputação, a possibilidade
de negociar as condições com o MP, a redução dos custos e dos riscos do
processo penal. Entre as desvantagens, podemos mencionar: a confissão do fato,
a renúncia ao direito de defesa, a submissão a medidas restritivas de direitos,
a fiscalização do cumprimento das condições, a possibilidade de revogação do
ANPP em caso de descumprimento ou superveniência de novas provas.
O ANPP também implica alguns
desafios e dilemas para a defesa, que devem ser enfrentados com cautela e
estratégia. Entre eles, podemos destacar: a dificuldade de acesso às provas e
aos elementos de informação, a necessidade de uma análise rápida e precisa do
caso, a escolha entre a via consensual ou a via contenciosa, a negociação com o
MP em condições de igualdade e transparência, a verificação da legalidade e da
proporcionalidade das condições, a defesa dos interesses e dos direitos do
acusado, a preservação da confiança e da comunicação com o cliente.
O ANPP é um tema que suscita
debates e controvérsias na doutrina e na jurisprudência, que devem ser
acompanhados e considerados pela defesa. Alguns autores e julgados relevantes
sobre o ANPP são:
Fernando da Costa Tourinho Filho,
que defende o ANPP como uma forma de despenalização e de desjudicialização, mas
alerta para os riscos de uma confissão induzida ou de uma renúncia forçada ao
direito de defesa. Segundo o autor, o ANPP pode ser uma solução para os casos
de baixa lesividade, mas também pode ser uma armadilha para o acusado, que pode
ser pressionado a aceitar o ANPP sem ter acesso às provas ou sem ter uma defesa
técnica adequada. O autor afirma que o ANPP deve ser aplicado com respeito aos
princípios constitucionais, e que o acusado deve ter plena ciência das
consequências e dos efeitos do ANPP (TOURINHO FILHO, Fernando da Costa.
Processo Penal. Vol. 1. 35. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 70-71).
Luiz Flávio Gomes, que critica o
ANPP como uma forma de barganha penal e de justiça negociada, que viola os
princípios da presunção de inocência, da ampla defesa e do devido processo
legal. Segundo o autor, o ANPP é uma forma de coerção e de chantagem, que induz
o acusado a confessar um fato que pode não ter cometido, ou a aceitar condições
desfavoráveis e injustas, em troca de uma suposta vantagem. O autor sustenta
que o ANPP é incompatível com o sistema acusatório, e que o ANPP favorece a
impunidade e a seletividade do sistema penal (GOMES, Luiz Flávio. Acordo de não
persecução penal: barganha penal à brasileira).
Rogério Sanches Cunha, que elogia
o ANPP como uma forma de justiça restaurativa e de solução consensual, mas
ressalva que o ANPP deve ser aplicado com cautela e critério, respeitando os
direitos e as garantias do acusado. Segundo o autor, o ANPP pode ser uma
oportunidade para o acusado de evitar o processo penal e a pena, e de reparar o
dano causado à vítima e à sociedade, sem que isso implique em reconhecimento de
culpa ou de responsabilidade civil. O autor defende que o ANPP deve ser fruto
de uma negociação equilibrada e transparente entre o MP e o acusado, com a
participação ativa da defesa, e que o ANPP deve ser homologado pelo juiz, que
deve verificar a sua legalidade e a sua proporcionalidade (CUNHA, Rogério
Sanches. Acordo de não persecução penal. 2. ed. Salvador: JusPodivm, 2020, p.
15-16).
O Superior Tribunal de Justiça
(STJ), que tem proferido decisões favoráveis ao ANPP, reconhecendo-o como um
direito subjetivo do acusado, que deve ser oferecido pelo MP sempre que
presentes os requisitos legais, e que o juiz não pode recusar o ANPP com base
em critérios subjetivos ou discricionários. O STJ também tem decidido que o
ANPP não implica em reconhecimento de culpa ou de responsabilidade civil do
acusado, e que o ANPP não pode ser utilizado como fundamento para a decretação
de medidas cautelares ou para a suspensão do exercício de função pública.
Alguns exemplos de julgados do STJ nesse sentido são: HC 598.051/SP, Rel. Min.
Sebastião Reis Júnior, 6ª Turma, julgado em 20/04/2021; AgRg no REsp
1.862.525/RS, Rel. Min. Ribeiro Dantas, 5ª Turma, julgado em 15/12/2020 (STJ.
HC 598.051/SP, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, 6ª Turma, julgado em
20/04/2021. ; STJ. AgRg no REsp 1.862.525/RS, Rel. Min. Ribeiro Dantas, 5ª
Turma, julgado em 15/12/2020.
Diante do exposto, podemos
concluir que o ANPP é um instrumento jurídico que visa a solucionar os
conflitos penais de forma consensual, evitando o processo penal e a aplicação
de uma pena, mediante o cumprimento de algumas condições pelo acusado. O ANPP pode
ser uma alternativa vantajosa para o acusado, mas também envolve alguns riscos
e sacrifícios, que devem ser avaliados com cuidado e critério. O ANPP exige da
defesa uma atuação diligente e qualificada, que busque a melhor solução para o
caso, respeitando os direitos e as garantias do acusado, e negociando com o MP
em condições de paridade e de boa-fé. O ANPP é um tema que suscita debates e
controvérsias na doutrina e na jurisprudência, que devem ser acompanhados e
considerados pela defesa, que deve se posicionar de forma técnica e crítica,
buscando a efetivação da justiça e da cidadania.

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