PEC DO RETROCESSO ?

 

   

 A proposta de emenda constitucional (PEC) 45/23, aprovada pelo Senado , representa um grave retrocesso no debate sobre a política de drogas no Brasil. A PEC altera o artigo 5º da Constituição para estabelecer que é crime inafiançável e imprescritível o porte de drogas para consumo pessoal.

    Essa medida contraria os avanços que vinham sendo conquistados no campo dos direitos humanos e da saúde pública, que reconhecem o uso de drogas como uma questão social e sanitária, e não penal. Essa perspectiva foi adotada por diversos países, como Portugal, Uruguai, Canadá e Holanda, que descriminalizaram o porte de drogas para uso pessoal e viram seus índices de violência, consumo e dependência diminuírem. No Brasil, alguns tribunais superiores também já emitiram decisões nesse sentido, como o Superior Tribunal de Justiça (STJ), que em 2019 absolveu um homem flagrado com seis gramas de maconha, considerando que a quantidade não caracterizava tráfico.

    A criminalização do porte de drogas para uso pessoal viola o princípio da proporcionalidade, pois impõe uma sanção excessiva e desproporcional a uma conduta que não afeta terceiros nem a ordem pública. A pena prevista na PEC é de reclusão de dois a cinco anos, a mesma aplicada para crimes graves como tortura, sequestro e estupro. Além disso, a PEC afronta o princípio da individualização da pena, pois não estabelece critérios objetivos para diferenciar o usuário do traficante, deixando essa tarefa a cargo da autoridade policial ou judicial, que poderá se basear em elementos subjetivos e discriminatórios, como a cor da pele, a classe social ou o local da abordagem.

    A PEC também ignora as evidências científicas e as experiências internacionais que apontam os benefícios da descriminalização do porte de drogas para uso pessoal, como a redução da violência, do encarceramento em massa, da corrupção, da superlotação dos presídios, dos custos sociais e econômicos, e o aumento do acesso aos serviços de saúde, prevenção e tratamento para as pessoas que fazem uso problemático de drogas. A PEC vai na contramão das recomendações de organismos internacionais, como a Organização Mundial da Saúde (OMS), a Organização das Nações Unidas (ONU) e a Comissão Global de Política de Drogas, que defendem a descriminalização do porte de drogas para uso pessoal como uma medida essencial para garantir os direitos humanos e a saúde pública.

    Ao invés de aprovar uma PEC que endurece a legislação e perpetua o fracasso da guerra às drogas, o Congresso Nacional deveria debater propostas que garantam uma política de drogas mais humana, racional e efetiva, baseada nos direitos humanos, na saúde pública e na redução de danos. Essas propostas devem levar em conta as especificidades de cada substância, as diferentes formas de consumo, os contextos sociais e culturais, e os impactos sobre os indivíduos e a sociedade.

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